Em Heróis por acaso: espionagem no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial, Paulo Valente explora com maestria o gênero de espionagem, que já trabalhara em A morte do embaixador russo, publicado pela Editora Record em 2023. Com uma estratégia narrativa engenhosa, que acrescenta personagens e enredos fictícios a uma moldura histórica hiper-realista, em duas novas histórias ele inova a compreensão que temos de episódios cruciais na geopolítica do século XX.

Planos ultrassecretos, aventuras mirabolantes, tentativas de assassinato e, claro, espiões, tudo isso faz parte de Heróis por acaso, uma eletrizante ficção histórica dividida em duas partes.

Na primeira, “Lealdade a si próprio”, Paulo Valente narra a trajetória de filhos de imigrantes alemães, japoneses e italianos no Brasil, que, divididos entre a pátria-mãe e a nação que os acolheu, enfrentam o dilema sobre a que lado da guerra devem maior fidelidade. Acompanhando essas trajetórias, o autor oferece ao leitor histórias surpreendentes, como a de Rodolfo Moss, primo de Albert Einstein e judeu residente no Brasil, que descobriu, acidentalmente, um plano nazista para explodir a Usina de Cubatão. Numa espécie de quebra-cabeça narrativo – em que o narrador vai aos poucos misturando as peças para depois encaixá-las –, surgem episódios como esse, além de relatos sobre campos de concentração no Brasil, a participação de multinacionais em planos de sabotagem e membros da mesma família combatendo em lados opostos no conflito.

Já a segunda parte do livro, “Felix Becker”, é baseada na realização da Conferência de Wannsee, reunião ocorrida em janeiro de 1942 para planejar a chamada “Solução Final para a Questão Judaica”, que previa o assassinato de 11 milhões de pessoas na Europa pelos nazistas. Na trama cuidadosamente construída pelo autor, a Conferência foi presenciada acidentalmente pelo brasileiro Felix Becker, que trabalhava como recruta convocado pelo exército alemão e designado para servir na mansão onde a reunião ocorreu. Repleta de reviravoltas e lances do acaso, a narrativa segue até o julgamento, em Jerusalém, de Adolf Eichmann, o secretário-geral e autor da ata da Conferência.

Em correspondência pessoal com o autor a respeito da primeira parte do volume, Rubem Fonseca, mestre do conto e do romance policial, mostrou-se impressionado com a pesquisa e, sobretudo, com a escrita elaborada do livro. Neste Heróis por acaso, Paulo Valente demonstra habilidade em unir rigor historiográfico e fabulação, e recria, mais uma vez, uma ficção histórica pungente sobre os limites éticos do homem.